terça-feira, 24 de julho de 2012

Soterrada, Área de Mata Atlântica agoniza em SP

Após andar durante pouco mais de cinco minutos dentro do Pinheirinho D’água, parque do distrito de Jaraguá, na zona oeste de São Paulo, chega-se ao que Ana Sueli Ferreira da Silva, de 45 anos, chama de “lugar favorito no mundo”. “Olha que bonito é aqui. Eu gosto porque é aberto, o vento bate naquelas árvores lá em cima e faz um barulho tão gostoso de ouvir”, diz, justificando a preferência. A cerca de 200 metros dali, a nascente de um córrego foi soterrada junto de 150 árvores com a ajuda de mil caminhões de terra e entulhos, jogados no parque sem qualquer tipo de autorização.
Há concreto, pedaços de ferro e cano entre o entulho despejado clandestinamente no parque
O Pinheirinho D’água é uma das últimas áreas de reserva de Mata Atlântica dentro da capital paulista. Com 250 mil metros quadrados – o equivalente a 60 campos de futebol – , 70% de sua extensão configura Área de Preservação Permanente (APP), o que faz do aterramento nada menos do que um crime ambiental.
Em volta do parque há escolas, prédios da CDHU e Cohabs. Todo o esgoto gerado passa a céu aberto dentro do Pinheirinho D’água. Sueli, que faz parte do Conselho Gestor, conta que há dez anos os moradores do bairro reivindicavam à Subprefeitura de Pirituba – responsável por administrar a região – a implantação de uma rede coletora de esgoto. Em abril ficou acertado que a Sabesp realizaria as obras. “Nós todos ficamos muito felizes com o acordo. Mas o tempo passava e eles não divulgavam o orçamento, nem qual empresa seria responsável pelo trabalho”, relata.
Sem autorização oficial ou registro de licenciamento ambiental, no dia 2 de maio foram iniciados os trabalhos. Para entrar no parque, que é totalmente cercado por grades, um dos portões foi arrebentado. Somente em 21 de junho a autorização da Secretaria do Verde e do Meio Ambiente da prefeitura de São Paulo foi publicada no Diário Oficial do Município.
Encontram-se pedaços de ferro, de cano e concreto entre a terra jogada no local. Com o aterramento, o curso do esgoto foi desviado: se antes passava por debaixo de uma ponte, agora invadiu o espaço de uma trilha feita em meio às árvores. “Essa situação é triste e absurda. Mas isso acontece porque nós estamos em uma região periférica da cidade. Aposto que isso nunca aconteceria em um parque como o Ibirapuera ou o Villa-Lobos”, indigna-se Sueli.
Carlos Eduardo de Jesus, também do Conselho Gestor, afirma que a situação se agrava porque a área soterrada é de brejo, um ambiente sensível que abriga biodiversidade importante para a filtragem de nutrientes e limpeza das águas, além de manter o equilíbrio do ecossistema.
A nascente de um córrego e cerca de 150 árvores foram soterradas
Os moradores questionam a atuação da administração do parque, que nada fez ao perceber que os caminhões entravam no local. O administrador Cristiano Cruz se justifica dizendo ter julgado que o aterramento fazia parte do projeto da Sabesp e que por isso não interferiu.
O Conselho entrou com uma representação no Ministério Público do estado de São Paulo e, na quinta-feira 19, o promotor Washington Luis Lincoln de Assis, da 3ª. Promotoria de Justiça do Meio Ambiente da Capital, instaurou inquérito civil para investigar o caso. O inquérito também será encaminhado para a Promotoria Criminal para que sejam apuradas as responsabilidades criminais acerca do assunto.
Outro lado
Procurada pela reportagem, a Sabesp informou por meio de sua assessoria de imprensa que nada tem a falar sobre o caso, afirmando que a Secretaria do Verde e do Meio Ambiente é a única que poderia liberar mais informações.
CartaCapital então procurou a secretaria. Esta enfatizou que jamais deu autorização para que empresa alguma – a não ser a Sabesp – realizasse obras no local. Em nota, também afirmou que a empreiteira responsável já foi identificada e devidamente multada. “O Núcleo de Gestão Descentralizada da Zona Norte,  que pertence à Secretaria do Verde e do Meio Ambiente, aplicou 5 multas à empresa Tercel Terraplenagem, que totalizaram um montante de 3.902,644,60 de reais”. E completou: “Além da aplicação das multas, o  infrator foi intimado a realizar a retirada do material depositado no parque nos próximos dias. Na sequência, ele deverá apresentar um plano de recuperação do dano causado”.
A diretoria da Tercel, por sua vez, não quis se manifestar a respeito do assunto. Apenas informou que o responsável pelo projeto se chama Marco Antônio, sem também divulgar sobrenome.
Ação de lideranças locais
O Parque Pinheirinho D’água é resultado de uma luta dos movimentos sociais de Pirituba e Jaraguá, que reivindicavam a construção de um parque na região. Com o apoio da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAU-USP) e da própria Secretaria do Verde e do Meio Ambiente, o projeto foi inaugurado em 2001 e desde então recebe uma intensa fiscalização por parte dos moradores.
O projeto foi feito por integrantes da pós-graduação da FAU, com a ajuda de equipes interdisciplinares formadas por profissionais como biólogos e sociólogos. As lideranças sociais locais também jamais deixaram de cuidar, preservar e lutar pelo parque. “O projeto inicial era lindo, mas é claro que nem tudo que estava previsto foi concluído”, lamenta Sueli. Ela conta que a ideia original era que existissem dentro do parque praças temáticas, como a “praça das crianças” ou a  ”praça dos skatistas”.
Dentro da área do Pinheirinho D’água existe uma casa de Educação Ambiental, espécie de escola para ensinar as crianças a lidar com a natureza. “Outro dia um menino perguntou para a gente para que servia o capim. É uma pergunta tão simples que nós queremos responder. Todas as crianças deveriam saber que tudo cumpre uma função dentro do meio ambiente”, diz a conselheira gestora. Baiana, ela mora no bairro há 35 anos e sempre esteve envolvida com reciclagem e com a Associação de Catadores de Lixo.
“Depois de resolver esse problema do aterramento, eu quero lutar por uma programação para esse parque. Eventos e gincanas para ocupar, chamar visitantes”, vislumbra, esperançosa

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